quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Gênero, Classe e Geografia

UMA ANÁLISE DAS RELAÇÕES DE GÊNERO E CLASSE
O papel diferenciado do sindicalismo rural em Alagoa Grande – PB*

Emmy Lyra Duarte


RESUMO
As relações de gênero são processos sociais que surgem, especificamente no Brasil, atreladas ao seu processo histórico colonial e patriarcal, no qual irão atribuir idéias e valores e, portanto, papéis sociais definidos, desiguais e hierarquizados para homens e para mulheres. Em torno disso, temos como ponto partida uma discussão do que seja essa diferenciação de gênero, qual a sua influência dentro da discussão de classe e seu papel exercido na formação do sindicalismo rural.

PALAVRAS-CHAVE: Gênero; Classe; Sindicalismo Rural

INTRODUÇÃO
São dentro das contradições ideológicas e práticas do movimento sindical, em sua relação movimento x trabalhadores e movimento x Estado, que encontramos um debate muito importante no que diz respeito à formação e fortalecimento do movimento: a questão de gênero. As relações de gênero são processos sociais, que surgem, especificamente no Brasil, atreladas ao seu processo histórico escravista, colonial e patriarcal, no qual irão atribuir idéias e valores e, portanto, papéis sociais definidos, desiguais e hierarquizados para homens e para mulheres. Nessa formação de idéias e valores sociais do “ser homem” e “ser mulher”, a Igreja Católica também exerce um importante papel nessa concepção de mundo exercido. Dentro dessa concepção ou convenção social, as mulheres tinham tarefas e lugares sociais muito claros: a casa e o roçado e paradoxalmente trabalhando na produção era considerada mão-de-obra familiar, auxiliar do marido, uma ajuda não remunerada e sem nenhuma participação nas decisões quanto à aplicação do dinheiro conseguido.
São justamente em cima dessas questões que pretendemos discutir a problemática acima nesse artigo, tendo como ponto partida uma discussão do que seja essa diferenciação de gênero, qual a sua influência dentro da discussão de classe e seu papel exercido na formação do sindicalismo rural. Especificaremos o papel da mulher, não só como esposa, mas como trabalhadora e sindicalizada e qual a sua visão diante de sua condição perante a sociedade.

O PAPEL DO HOMEM E DA MULHER, DO MASCULINO E FEMININO: UM “QUEBRA-CABEÇA” DE CONTRADIÇÕES.

Discutir o papel do homem e da mulher é algo maior que compreender as diferenciações de gênero nelas existentes. A compreensão desses papéis pré-definidos do que é ser homem e o que é ser mulher, parte de uma concepção pré-rotulada e que desenvolve contradições ideológicas. A sociedade parte de um modelo pré-definido baseado na dominação dos bens econômicos. Com base na discussão que Friedrich Engels faz no seu livro A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, a mulher torna-se oprimida quando a família se constitui monogâmica. Foi o primeiro passo para o processo de repressão do sexo masculino com o feminino. Coincidiu justamente com um período em que a acumulação do capital e dos bens tornou-se ponto crucial, já que começava a entrar em questão a herança de pais para filhos.
Segundo Engels (2002), foi a partir da família monogâmica, que passa a existir a primeira forma de família que não se baseava em condições naturais, mas em condições econômicas, e concretamente no triunfo da propriedade privada sobre a propriedade comum primitiva, originada espontaneamente. Assim, a opressão e controle sobre a mulher sempre esteve sacramentada por leis e conformações da família patriarcal e monogâmica.
A opressão de um gênero sobre o outro, não é algo natural, mas imposto por uma sociedade formada a partir da privatização dos bens e do monopólio desses bens por um grupo pequeno de homens, já que a mulher como detentora do poder de reprodução tem em suas condições naturais, uma forma mais fácil e clara de domínio desses bens, se tornando algo herdado para as suas futuras gerações. Para Engels (2002), como forma de monopolizar esse poder natural que a mulher exerce com a reprodução, a forma mais clara e mais fácil de dominá-la seria constituindo uma sociedade monogâmica, que teria como objetivo o homem como detentor do poder no centro da família, e conseqüentemente a mulher tornar-se-ia sua propriedade.
            A condição subalterna imposta à mulher passa de meras diferenças naturais para culturais, torna-se produto ideológico da sociedade de classes capitalista. Como ressalta Toledo (2008), “A opressão da mulher, portanto, não seria algo natural, mas determinado pela localização da mulher e do homem no sistema de produção e reprodução de sociedades determinadas” (p. 31). Já Franco (2004) afirma que a opressão de gênero “é uma das principais expressões das formas de opressão estruturais da nossa sociedade, cuja superação perpassa mera distribuição de privilégios para a inserção de uma minoria” (p. 110). Nesse sentido, define-se como parte de um grupo de sujeitos exclusos da sociedade “imperialista cultural” (p. 110) como negros, idosos, classe de trabalhadores, etc.
            É a partir da inserção da mulher ao mercado de trabalho que associamos esse processo de opressão, característico do capitalismo, a exploração do trabalhador. A mulher torna-se forçada a assumir mais um papel em meio à sociedade: o de trabalhadora assalariada. Isso produz um acúmulo de tarefas demandadas socialmente como: a de esposa do lar, à mãe reprodutora e subalterna ao marido. Ainda exercendo as mesmas funções que os homens no ambiente de trabalho. Continuando a existir a opressão de gênero, sob as mesmas justificativas que diminuem à mulher no ambiente familiar: suas condições biológicas.
            Vale destacar que mesmo, atualmente, muitas famílias estejam sendo “chefiadas” por mulheres, a lógica patriarcal ainda parece bastante presente na divisão das tarefas. A mulher ainda é responsável pelo cuidado da casa e dos filhos, mesmo que cumpra uma longa jornada de trabalho “fora de casa”. A família patriarcal consagra a dupla jornada de trabalho. (GUTERRES 2001)
            O capitalismo utiliza-se da reprodução social da própria família e a mulher como detentora da organização existente dentro desse ambiente familiar, assume sua condição dupla de exploração pelo capital através do seu papel exercido na produção de mercadorias e na reprodução familiar.
            No caso das mulheres trabalhadoras rurais, além de ter que enfrentar a opressão de gênero, elas tem que enfrentar a discriminação também de classe, enfrentando a desigualdade e a pobreza, características principais no meio rural brasileiro.

A ESPECIFICIDADE DA MULHER TRABALHADORA RURAL E SINDICALIZADA

No Brasil da década de 1970, com o sindicalismo rural sendo mais assistencialista, uma conseqüência da transformação que o Golpe Militar de 1964 trouxe para o movimento, propiciou uma maior abertura para a participação feminina. Tornando possível o aparecimento das mulheres no meio sindical e o início do papel da mulher não apenas mais como esposa e mãe, mas como figura de importância na luta travada contra a máquina do Estado e do capitalismo, como sindicalizada e trabalhadora rural.
Inicialmente, as mulheres tiveram aberturas em questões colocadas como específicas, como afirma Abreu e Lima (2006):

[...] as questões que estão sendo colocadas para as mulheres seguem, de certa forma, um padrão, no sentido do que sejam lutas dentro da visão de seu papel tradicional de dona-de-casa, esposa e mãe. Ao questionarem os preços e, por decorrência, a política econômica adotada pelo regime militar; ao buscarem o paradeiro de familiares e questionarem a ditadura, organizando o movimento de Anistia, elas são toleradas, pois sua ação encontra-se dentro dos parâmetros esperados. (p. 109)

            Até porque, mesmo com algumas conquistas que as mulheres não só no Brasil, mas no mundo todo, conseguiram através do movimento sufragista ocorrido entre o século XIX e o início do século XX, com o objetivo de reconquista do direito ao voto, que no Brasil só foi conseguido durante o governo de Getúlio Vargas em 1932. Essa foi uma grande vitória por parte das mulheres, pois elas conseguiram voltar à cena política. Com isso, as mulheres conquistaram mais um espaço, mas começavam a enfrentar mais acirradamente o fato dos homens não aceitarem que suas esposas saíssem do espaço do lar para o ambiente de luta, o ambiente do sindicato.
            Como Toledo (2008) lembra bem:
Envenenado pelo machismo, o movimento sindical, em toda a história das lutas da classe trabalhadora, sempre foi um lugar proibido para a mulher. Esse problema, que só colaborou para dividir os trabalhadores e manter as mulheres afastadas das lutas, até hoje permanece, mas com muito esforço, a mulher foi aos poucos conquistando espaço nas organizações sindicais. (p. 93)

            No caso das mulheres trabalhadoras rurais, além de ter que enfrentar a opressão de gênero, elas tem que enfrentar a discriminação também de classe, enfrentando a desigualdade e a pobreza, características principais no meio rural brasileiro.
            Com sua inserção à militância, a sua conscientização de classe, Carvalhal (2003) ressalta que:

[...] a mulher ao realizar a tripla jornada de trabalho, pode ao mesmo tempo entender a importância de seu papel para a estruturação do sistema de metabolismo social e a partir da ocupação do sindicato, tornar possível o soltar escalas. Ou seja, o papel da mulher, juntamente com o papel da manutenção da forma de família nessa sociedade é de essencial importância para a estruturação desse sistema, no momento em que o trabalho da mulher dentro da família é sem custos para o capital. Além do fato das mulheres estarem atarefadas com suas atribuições domésticas, aumentando sua alienação enquanto gênero e ao se inserir no mercado de trabalho, se aliena também como integrante de uma classe social dominada. (p. 85)

            Porém, mesmo nesse processo de conscientização de classe, a primeira e maior dificuldade enfrentada pelas mulheres para se inserir na militância, principalmente as casadas ou que moram junto aos seus companheiros, como afirma Franco (2004) também está a partir das “responsabilidades familiares, devido ao peso da sua rotina de trabalho doméstico e extra-doméstico.” (p. 83) Além dessa rotina de ocupações, a mulher ela se reprime naturalmente, por isso a dificuldade de se inserir na militância e quando se inserem como afirma Carvalhal (2003): “[...] ainda não se tornaram sensíveis em relação à questão da mulher.” (p. 79) E isso é uma conseqüência do próprio ambiente político e repressor do sindicato, como Carvalhal (2003) afirma: “[...] não é considerado um lugar de mulher e sendo assim, muitas internalizam isso e pensam que não cabe a elas entender o funcionamento desse meio.” (p. 79)
            Mas, é justamente nessa tripla jornada composta pela família, o trabalho e a militância que as mulheres trabalhadoras constroem mecanismos para compreender seu papel como trabalhadoras e reconhecem seus direitos através, como Carvalhal (2003) ressalta: “[...] do trabalho alienante que sustenta o sistema, por dois motivos, pela extração da mais-valia e do seu trabalho gratuito no ambiente do lar, ao prover toda a família para o trabalho.” (p. 82).
            Com isso, muitas mulheres trabalhadoras a partir do momento em que entendem seu papel como trabalhadoras rurais e compreendem suas posições como sujeitos políticos, conseguem se posicionar perante sua condição também de gênero. Uma das primeiras formas para a compreensão do seu papel de classe e gênero começa na organização de movimentos específicos dentro da esfera pública da luta de classes.
            Mota (2006) afirma que na medida em que participam de um movimento e realizam suas manifestações públicas, vivem experiências pessoais e coletivas que são base para sua identidade, criando formas de representação e apresentação, instituindo um lugar feminino no território do movimento sindical rural. [...] emergem no campo político e social brasileiro como um grupo organizado, lutando por direitos e em busca de reconhecimento – fazem-se sujeito político, rompendo com uma situação de subordinação e com a fixidez de uma condição antes tida como destino. (p. 346-347)
            A primeira mobilização real de organização de mulheres no âmbito sindical veio justamente em 1986, como já foi ressaltado anteriormente, em um Congresso promovido pela CONCLAT, que fundaria a CGT (Central Geral dos Trabalhadores). Realizou-se nessa oportunidade o 1° Congresso Nacional da Mulher Trabalhadora Rural que contou com a participação de 714 entidades. No III CONCUT, começam a se desenvolver políticas de apoio trabalhistas às mulheres e a CNMT apresenta questões como à garantia de igualdade de acesso ao emprego, garantia à maternidade, creche para as crianças e saúde da mulher no local do trabalho. Em 1991, no IV CONCUT é que é aprofundada a discussão sobre as cotas de participação das mulheres nas instâncias de direção. [1]
            Essa política de cotas partiu como um incentivo as próprias mulheres de se inserirem não mais só no ambiente sindical, numa posição a margem do homem, que foi e ainda é até hoje a maior problemática do gênero e, de “forçar” uma abertura nas posições de representações dentro dos sindicatos. Pois, mesmo concordando que as questões femininas devem fazer parte do âmbito do sindicato, os homens que dominam essa esfera vêm como uma discussão a parte, diferenciada aos objetivos reais do sindicalismo. Isso dificulta muito a participação e até mesmo a vontade das próprias mulheres se inserirem nesse espaço, sempre enfocado como tipicamente masculino.
            Como ressalta muito bem Mota (2006):

A política de cotas que vem sendo adotada no movimento sindical de trabalhadores rurais é um indicativo da estruturação de uma nova ordem de definição das posições de homens e mulheres na estrutura sindical, dando conta da instituição de um lugar feminino.” (p. 349).

            Mesmo com todos esses avanços no mundo sindical, no que diz respeito ao sindicalismo rural, essa conscientização do seu papel de mulher e trabalhadora ainda é muito atrasado. No meio rural, a ignorância por parte dos homens e das próprias mulheres, dificultam a compreensão de classe e gênero. Atualmente, como foi analisado no primeiro capítulo a partir das mulheres trabalhadoras sindicalizadas, é elas apenas usam o vínculo do sindicato como meio de conseguir os benefícios que o governo oferece como bolsa-família, bolsa-auxílio, aposentadoria, etc.
            Como afirma bem Carvalhal (2004):

[...] o sindicato tem-se voltado preferencialmente para as questões salariais, além das questões de cunho assistencialista como os convênios adotados com médicos e advogados, deixando as questões da participação da mulher nos sindicatos como questões secundárias. (p. 65)

            O sindicato rural é transformado em apenas um espaço de soluções burocráticas, já que a forma em que a mulher e o homem têm em provar sua condição de trabalhador rural é através da filiação ao sindicato. É possível notar essa posição da mulher no ambiente sindical rural hoje, através dos próprios discursos delas ao serem questionadas o por que de se filiar ao sindicato:

[...] Eu sempre paguei meu sindicato, só pra vê se quando chegasse no tempo de eu me aposentar eu conseguiria. (Entrevista com uma trabalhadora filiada ao STR Alagoa Grande-PB. Alagoa Grande, março de 2009)

            O próprio sindicato não incentiva o movimento de mulheres, isso foi algo comprovado dentro do próprio STR Alagoa Grande. O enfoque para essa discussão da mulher e sua posição subalterna ao homem, é uma luta que continua sendo vista em muitos sindicatos rurais, como algo particular ao gênero feminino, por isso a falta de interesse por parte dos dirigentes em continuar incentivo os movimentos de mulheres. Na própria fala do atual presidente do STR Alagoa Grande, já relatada no primeiro capítulo, ele justifica a paralisação do movimento dentro do sindicato por falta de interesse das próprias mulheres trabalhadoras e militantes desses movimentos e enfoca que eles priorizaram a organização financeira e administrativa do sindicato. Assim, podemos afirmar que o interesse de conscientização da sua condição de gênero e classe trabalhadora dentro do sindicato depende de si mesma, da iniciativa das próprias mulheres, numa contínua luta emancipatória dentro e fora do sindicato.
            Por isso, que as mulheres trabalhadoras rurais, a partir dessa facilidade atual de se filia, já que o sindicato atua como seu representante e intermediador com o Estado e acesso aos seus direitos, para continuar exprimindo-se como gente, trabalhadora e mulher de valor que pode falar sair de casa, reivindicar e se experimentar sem medo de ser mulher. Não podem se acomodar e deixar a oportunidade de luta e, de conquistar ainda mais seu espaço nesse ambiente, mesmo com tantos avanços, específicos de homens. Deixar para trás essa visão masculina, que a própria mulher assume quando se insere como sindicalizada ou mesmo representação dentro sindicato. Como ressalta Carvalhal (1999): “[...] as mulheres de forma geral e mesmo no sindicato assumem realmente essa postura masculina e machista e acham que, o espaço sindical e político é o espaço de homens.” (p. 01)
            Com um histórico de lutas, de um processo de conscientização de classe e de gênero, é que fica o questionamento: Por que, diante de tantos movimentos de mulheres, de tantos avanços políticos como a própria política de cotas, as mulheres nos sindicatos rurais não despertam mais para sua condição de trabalhadora e mulher em meio ao mundo sindical?
            Além do próprio sindicato rural, que tem impregnado o machismo, mesmo que mascarado, pois os homens dão uma abertura às mulheres sempre em postos abaixo as suas posições, os benefícios do Estado proporcionados através da filiação nos sindicatos, são vistas como grandes conquistas e muitas vezes, suficientes. Como se a problemática de gênero dentro do ambiente sindical rural se relacionam apenas a questões assistencialistas e não mais a condição de mulher e trabalhadora perante a sociedade.
            É justamente essa discussão, que nos chamou a atenção no processo de sindicalização feminina no STR Alagoa Grande.

SINDICALIZAÇÃO FEMININA EM ALAGOA GRANDE

            No âmbito do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Alagoa Grande, pudemos analisar que para a mulher, o primeiro problema a ser enfrentado é diante de si mesma e de tentar compreender sua condição real de trabalhadora rural e sua participação efetiva na economia da família; depois na sua condição de militante, já que é difícil a compreensão por parte delas, o de entender o porque que elas também são figuras importantes nesse processo de luta pela terra e luta por melhores condições de vida no campo; e, no processo de afirmação no seu papel de esposa e mãe, já que ela passa a ser muito questionada e reprimida na própria esfera familiar pelo marido.
Com isso, vamos tentar entender como se deu a organização do movimento de mulheres em Alagoa Grande e como e por que mulheres como Margarida, Penha, entre outras, inseriram-se no mundo sindical, não só como sindicalizadas, mas como representantes na luta por essa dupla exploração.
As comissões e coletivos de mulheres dentro dos sindicatos surgem a partir da renovação do sindicalismo na década de 1970, que vai a combater o sindicalismo nascido na década de 1930, no governo de Getúlio Vargas. Esse sindicalismo caracteriza-se por estar atrelado ao Estado, conhecido como sindicalismo pelego. A partir desse momento só o sindicalismo, como o movimento de mulheres, passam a ter um caráter reivindicativo, transgressor e radical. No caso do movimento de mulheres principalmente sobre a lógica da moral patriarcal. Na década de 1980, Ferreira (2006) ressalta que:

[...] as mulheres organizaram grupos de maior visibilidade, a exemplo de Comissões de Mulheres, nos sindicatos e partidos, e passaram a refletir e desenvolver políticas públicas, como creches e delegacias da mulher, cobrando, dos poderes instituídos, as condições mínimas de ser humano.
São vozes que se levantam para a incorporação da perspectiva de equidade de gênero, que hoje, tanto o movimento dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STRs) quanto do Movimento dos Trabalhadores Sem Terras (MST), percebem que é fundamental, destacar a luta das mulheres em seus espaços de atuação, tanto no âmbito da propriedade, cuidando da terra e de animais, como fora dela, vendendo nas feiras livres as mercadorias por elas produzidas. (p. 51)

            No período pós-repressão de 1964, os Sindicatos de Trabalhadores Rurais começaram então, como afirma Novaes (2002, p. 222): “[...] a conviver com lutas por melhores salários, lutas por uma política agrícola diferenciada entre pequenos agricultores e luta pela terra.” Nesse período estava em vigor o Estatuto do Trabalhador Rural, que regulamentava as relações de trabalho no campo, como o Estatuto da Terra. Como Novaes (2002, p. 222) ressalta: “Neste momento, a Reforma Agrária era, ao mesmo tempo, uma bandeira sindical e objeto de política pública.” Nessa mesma época, toma-se como referência feminina e na representação na luta das mulheres no âmbito do STR Alagoa Grande a figura de Margarida Maria Alves.
            Com essa bandeira de luta pela terra armada as mulheres viram a possibilidade de se mostrarem como figuras importantes na luta sindical e provar que sua condição de trabalhadoras rurais era um fato no avanço da economia capitalista no campo. Mesmo aos as mulheres tomaram posição dentro dos sindicatos superando e aproveitando da sua posição subalterna, que as colocava em situação desigual na luta.
            A maior dificuldade para as mulheres se filiarem ao STRs era principalmente o fato dos maridos não permitirem, enfatizando que o sindicato não era “lugar de mulher”. Como relata muito bem o atual presidente do STR Alagoa Grande sobre o processo de sindicalização das mulheres e da organização no próprio sindicato:

No começo as mulheres não se filiavam, pois o machismo foi tão grande, que o homem respondia tudo. Então o homem, logo no começo aqui, eram a maioria dos filiados. Mulher dificilmente se filiava, porque a ficha do homem servia para a mulher, então homem tinha aquele imperativo: o homem manda. Então começou assim, filiando-se só os homens, a mulher não, a mulher fica em casa. No início só os homens se aposentavam, a mulher não se aposentava e os sindicatos começaram a se organizar e a lutar para primeiro criar a aposentadoria, quando surge o direito foi primeiro para o homem, meio salário e para mulher não. Ai os sindicatos começam a lutar e começa toda uma abertura política no país: surgimento da CUT, do PT (Partido dos Trabalhadores). Margarida passa a ser a primeira mulher presidente do sindicato e ai foi quando começou assim, a se discutir o movimento de mulheres e já antes disso, as mulheres já vinham com um nível de organização no país. A mulher nem votava, era colocada como objeto o tempo todo e até pouco tempo atrás era um sufoco aqui no Brasil. Então, o sindicato foi lutando, num machismo danado, porque até para se filiar a ficha do homem era que servia para tudo. As mulheres se filiavam mais quando não eram casadas ou não viviam com algum companheiro, pois quando seu estado civil era de casada ou algo assim, a filiação era pouca. Depois da ditadura, é que se começa uma maior abertura para as mulheres e sua conscientização. Então hoje, o sindicato lutou para a mulher se aposentar, né? O marido da Margarida, Seu Cassemiro, juntava e fazia abaixo assinado em todos os sindicatos para cobrar dos deputados e senadores, viajava todo mundo para Brasília. Então foi assim lutando e o sindicato se organizando para o homem do campo se aposentar, depois foi à luta para a mulher se aposentar e, depois a luta pelo salário, pois só recebiam meio salário. Depois a luta pela menor idade, pelo auxílio-doença, né? Porque o homem do campo não recebia nada, o campo vivia numa miséria absoluta e o sindicato surge para combater as Ligas Camponesas, mas vai se organizando e começa a lutar, vão nascendo a consciência das necessidades. Mas a mulher começa a se sindicalizar mais a partir da Constituição Cidadã[2], onde os sindicatos já estavam fortes e aí vem toda uma questão, como o salário mínimo passa a ser estabelecido, a aposentadoria, a pressão foi grande e os sindicatos foram juntos para fazer pressão também. A partir daí a mulher passa a se sindicalizar mais, o próprio INSS[3] passa a exigir a sindicalização da mulher, em todos os cantos: direitos iguais.
(Atual presidente do STR Alagoa Grande, março de 2009).

            Na própria fala do atual presidente do STR Alagoa Grande, a mulher desde o início teve seu processo de sindicalização reprimido pela própria postura do Estado diante da sua condição de trabalhadora rural, pois a mulher ela só passou a ser vista com esse caráter diferenciado e a obter seus direitos a partir da Constituição Brasileira de 1988, em que coloca tanto o homem como a mulher em caráter igualitário.
            No Gráfico 01, podemos avaliar os devidos períodos de maior e menor filiação de mulheres no STR Alagoa Grande:

Gráfico 01 – Mulheres Sindicalizadas em Alagoa Grande de 1962 até 2009

Fonte: Trabalho de Campo – STR Alagoa Grande, julho de 2009.
Org. Emmy Lyra Duarte

Como observaremos no Gráfico 01 o período de 1962 a 1985, desde a fundação do sindicato até meados da década de 1980, fez-se forte a presença e atuação da sindicalista Margarida Maria Alves; em segundo período, destacamos a partir da década de 1986 até 2009, justamente num período em que, a partir da Constituição de 1988, as mulheres têm uma maior abertura nos sindicatos, principalmente porque para obter os benefícios como aposentadoria, bolsa-maternidade, bolsa-família, auxílio-doença, etc. a única forma de comprovar sua condição de trabalhadora rural era e é até hoje através da filiação ao sindicato e não mais através apenas do cadastro do marido ou companheiro. Além disso, enfatizamos no gráfico 01 o levantamento das fichas de filiação que não constam com essa informação.
            Constatamos que o maior número de mulheres filiadas ao STR Alagoa Grande deu-se justamente no período em que o próprio Estado, ao ceder as concessões exigidas pelos trabalhadores em seus direitos trabalhistas, passa a exigir sua filiação por completa ao sindicato rural, não só por parte dos homens, mas das mulheres também. Dos dados levantados, 80% das mulheres filiadas ao STR ocorreram justamente no período de 1986 até os dias atuais, onde além dessa abertura feita pela Constituição de 1988, os movimentos de mulheres bastante atuantes na região, mostram seu peso na consciência de cada mulher e trabalhadora rural dos seus direitos e da sua condição não só de mulher, mas de trabalhadora também.
            O impulso da filiação das mulheres no STR Alagoa Grande acontece, como colocado, durante a presidência de Margarida, presidente do STR três vezes consecutivas. Para Novaes (2002):

Como presidente de sindicato, Margarida seguia as diretrizes do Movimento Sindical de Trabalhadores Rurais (MSTR), coordenado pela CONTAG, que se reconhecia como apolítico e afastado de todas as religiões. No período pós-64, de fato, o MSTR se torna um pólo constitutivo na definição da questão agrária. Mas na segunda metade da década de 1970, genericamente chamado “trabalho da Igreja progressista” que passa também a contar na definição dessa questão, e Margarida, mesmo não sendo membro de uma comunidade eclesial de base, passa a usufruir das informações e espaços oferecidos pelas Pastorais Rurais da Paraíba. (p. 223)

            A luta de Margarida estava de acordo com o processo de propostas apresentadas no 2º Congresso Nacional de Trabalhadores Rurais da CONTAG em maio de 1973. Segundo Ferreira (2006):

O Congresso apresentou propostas para o acesso à terra, assistência técnica e comercialização, educação, organização do movimento sindical, normas de proteção ao trabalho e Previdência Social Rural, retratando as expectativas da categoria em combater as desvantagens entre a classe trabalhadora urbana e rural.
Surgem ali outras propostas voltadas especificamente para as mulheres e a juventude trabalhadora rural. Nessa luta, despontava a sindicalista rural de Alagoa Grande Margarida Maria Alves, que discutia as implicações legais contidas no Fundo de Amparo ao Trabalhador Rural (FUNRURAL) e, também, discursava na defesa da educação de qualidade no meio rural.
A proteção social à maternidade é uma das primeiras bandeiras das mulheres trabalhadoras rurais do Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTTR) pelo seu reconhecimento. Essa luta começa em 1973, quando elas reivindicavam que fosse concedido à trabalhadora rural o auxílio-gestante, no período compreendido entre seis semanas antes e seis semanas após o parto. (p. 55-56)

            Para Margarida, além de lutar por melhores condições para a classe trabalhadora no campo, ela também focava o direito ao acesso a certos benefícios por parte das mulheres. Como já foi visto anteriormente, em Alagoa Grande o processo de expropriação dos camponeses e o início da formação de uma classe assalariada, a dos trabalhadores rurais, nas usinas e engenhos da região, fizeram Margarida, nesse novo início de abertura aos sindicatos, travar uma luta ferrenha com os grandes proprietários da região. A bandeira de luta foi por melhores condições de trabalho no campo e direitos trabalhistas, como carteira assinada, férias, 13º salário e repouso remunerado. Rocha (1996) resgata as palavras de Margarida, em um discurso no 1º de Maio de 1983, na cidade de Sapé:

[...] eu quero pedir a vocês que, quando voltarem para casa, lembrem-se e rezem por aqueles que tombaram na luta, e rezem também por aqueles que estão enfrentando ameaças dos poderosos. Eu dizia hoje aos trabalhadores que foram ao Sindicato de Alagoa Grande: “Eles não querem que vocês venham à sede porque eles estão com medo, estão com medo da nossa organização, estão com medo da nossa união, porque eles sabem que podem cair oito ou dez pessoas, mas jamais cairão todos diante da luta por aquilo que é direito devido ao trabalhador rural, que vive marginalizado de baixo dos pés dele. (p. 4)

      Margarida incentivou a sindicalização dos trabalhadores e trabalhadoras da região, para incrementar e fortalecer a luta contra os grandes proprietários da região. Como afirma Ferreira (2006):

Ela desenvolveu com outros trabalhadores e trabalhadoras rurais, durante doze anos (1971 – 1983), a organização sindical da região do Brejo, que reuniu cerca de trinta sindicatos, com repercussão na CONTAG.
Assim, mereceram destaque as mobilizações com as mulheres rurais e as denúncias de violência, a exemplo de uma ação contra um jovem fazendeiro que agredira uma mulher idosa e paralítica, sua moradora; além da participação na construção do Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural (CENTRU), tendo por objetivo o desenvolvimento da formação na perspectiva da educação popular. (p. 70)

            Ainda sobre a consciência de classe e de sua condição de mulher e trabalhadora, Ferreira (2006) ressalta que:

Segundo Margarida Alves, a sua crença católica orientava-a na vida e na política. O marido, Severino Cassemiro Alves, exerceu forte influência sobre sua atuação, por ter sido o primeiro presidente do referido sindicato e também devido ao poder presente na relação conjugal do homem sobre a esposa. (p. 71)

Margarida no dia 12 de agosto de 1983, foi morta a tiros na porta da sua casa na frente de seu esposo e seu único filho a mando dos grandes latifundiários da região, principalmente do famoso Grupo da Várzea, que viam em Margarida uma ameaça. Prova que o atentado a vida de Margarida ocorreu por parte desse grupo é que meses antes ela teria sido ameaçada de morte por um dos latifundiários do grupo. Como consta nos autos do processo criminal no Centro da Mulher 8 de Março, com sede em João Pessoa em depoimento de seu marido Cassemiro relatando que:

[...] que o declarante presenciou quando o elemento de nome Nicodemos, que é conhecido por “Nicó”, que reside em Alagoa Grande, em uma localidade conhecida por Avenca, avisou a Margarida de que estava trazendo um recado do Dr. Agnaldo Velloso Borges, e que este recado era para o seguinte: Que D. Margarida, para seu bem, não criasse problemas nas propriedades rurais; Que, nesta ocasião D. Margarida respondeu que recado ficou para moleques e que iria mandar um ofício para o Dr. Aguinaldo, respondendo aquela ameaça [...] (Arquivo do Centro da Mulher 8 de Março em 08 de julho de 2009)

Margarida respondeu as ameaças em ofício, dizendo que:

[...] o que estamos fazendo é cumprindo a nossa missão e não criando caso [...] Caso está criando aquele que não está cumprindo as leis, ou seja, ferindo não pagando o salário mínimo, 13º salário, férias, cortando fruteiras e proibindo o trabalhador plantar na terra, expulsando o rurículo da terra sem os seus direitos, mas nós sindicalistas estamos cumprindo a Lei e na defesa dos direitos dos outros. (Arquivo do Centro da Mulher 8 de Março em 08 de julho de 2009).

Para Novaes (2002):

O assassinato de Margarida Maria Alves é emblemático. Não só na Paraíba, mas por todo o Brasil, os grandes proprietários de terra embora guardem entre si diferenças econômicas, se articulavam (e se articulam) politicamente. Os setores mais modernizados e mais atrasados na agricultura se aliam tanto contra a Reforma Agrária, quanto contra o pagamento de direitos trabalhistas e melhorias nas condições de trabalho. E, principalmente, em termos de combinar formas de violência costumeira, na produção, com um tipo de violência seletiva contra as lideranças dos trabalhadores. (p. 224)

            Com a morte de Margarida, a luta não parou no STR Alagoa Grande. A luta das mulheres fortaleceu-se com outras lideranças e movimentos, como a Maria da Penha e o Movimento das Mulheres Trabalhadoras do Brejo Paraibano (MMB) e ainda do atual Movimento de Mulheres Trabalhadoras (MMT) do Nordeste.

O PERFIL DA MULHER SINDICALIZADA RURAL EM 2009

Como movimento mais significativo de mulheres na região ressaltamos o Movimento de Mulheres Trabalhadoras do Brejo Paraibano (MMB), que surgiu em 1981, como setor de mulheres da Pastoral Rural e se constituiu em 1985, como movimento autônomo, abrangendo no seu interior várias mulheres. O movimento possuía sua coordenação própria e tinha como objetivo promover uma maior participação da mulher no movimento popular e sindical e enfrentar os problemas específicos da mulher (relação homem/mulher, família, saúde da mulher, educação sexual, etc) [4].
            Sobre o trabalho feito com as mulheres dentro e fora dos sindicatos, a ex-coordenadora do MMB, em entrevista dada durante o nosso trabalho de campo, ressalta que:
Era importante companheira, naquele tempo as mulheres até quando se filiavam tinham na carteira como profissão doméstica. Nós lutávamos pelos direitos da mulher, pelos direitos do trabalhador, nós não lutávamos unicamente pela mulher porque nós tínhamos um compromisso unificado, aonde tivesse uma luta do trabalhador, nós estávamos ali.
 Ou força trabalhadora ou trabalhador, nós estávamos. E então: nós estávamos em ação.
(Ex-coordenadora do Movimento de Mulheres Trabalhadoras do Brejo Paraibano.
Fonte: Alagoa Grande, julho de 2009).

            Mais uma vez, podemos notar que o movimento denominado como de mulheres não tinha como objetivos específicos apenas à luta por melhores condições das mulheres, mas da classe trabalhadora como um todo. Para o MMB na época a luta por direitos iguais entre homens e mulheres não era apenas a única característica, mas, fazia parte do contexto de luta, de representação de classe em que já vinha sendo pregado desde a época de Margarida.
            Maria da Penha do Nascimento foi fundadora do MMB e atuava ao lado de Margarida no sindicato de Alagoa Grande. Foi integrante da Comissão Estadual de Mulheres da CUT - PB e candidata, a vereadora, algumas vezes, pelo Partido dos Trabalhadores. Sobre a trajetória de vida, Ferreira (2006) ressalta que:

A produção de textos escritos por Penha pode ser considerada vasta. Escreveu vários textos sobre as ações de resistência ao latifúndio, em especial após a morte de Margarida. Lançou livros: Violência Rural e Reforma Agrária, e Porque Trabalhar com Mulheres, em parceria com outros autores e entidades.
A sua preocupação com registros escritos, também, se estendia À construção de acervos e bibliotecas nos sindicatos. Da sua atuação militante estava convencida de que a prática da luta cotidiana era a melhor arma, quando costumava falar: “Só quem luta é que sabe a dor que a gente sente”. Em sua frase está contida uma reflexão, a do aprendizado com a essência de experiência entrelaçada ao sentimento de quem conhece que primeiro vem à luta como anunciante e, portanto, a formadora de classe. (p. 92-93)

            Em sua participação no 3º Congresso Nacional dos/as Trabalhadores/as Rurais (CNTR), em que seu garantiu definitivamente a participação das mulheres trabalhadoras rurais como sujeito no cenário político e sindical, que Maria da Penha fez-se figura importante como representante da classe feminina trabalhadora rural de Alagoa Grande. Nesse 3º CNTR, incorporaram como pauta principal para as primeiras reivindicações das trabalhadoras camponesas assalariadas, como ressalta Ferreira (2006):

A luta por um salário mínimo melhor que garantisse uma vida digna para o/a trabalhador/a e sua família, por um salário igual para trabalho de igual valor e pelo reconhecimento dos trabalhadores em sítios e chácaras como da categoria trabalhadora rural e não trabalhadores domésticos [...].
As proposições aprovadas em plenário defendiam alteração na legislação então em vigor, a fim de que fosse concedida, aos trabalhadores rurais, aposentadoria por velhice, aos 55 anos, quando homens, e aos 50 anos, quando mulher. E mais: que a aposentadoria por invalidez, o auxílio-funeral e a pensão por morte fossem concedidas à mulher ou companheira do trabalhador rural.
Inicia-se a luta em defesa do salário maternidade para as mulheres trabalhadoras camponesas. Essas proposições aparecem entre as reivindicações de auxílio-doença, salário-família, auxílio-reclusão. Aparece também a reivindicação de amparo à esposa ou companheira do trabalhador rural e seus filhos menores, desde que trabalhem em regime de economia familiar ou sob forma assalariada. (p. 56-57)

            O Gráfico 02 mostra, a partir do nosso trabalho de campo em julho de 2009, a quantidade de mulheres trabalhadoras rurais filiadas no STR de Alagoa Grande casadas, solteiras, viúvas e separadas.
Gráfico 02 – Mulheres Trabalhadoras Rurais Sindicalizadas por Estado Civil, Alagoa Grande, 2009
           
         Fonte: Trabalho de Campo – STR Alagoa Grande, julho de 2009.
          Org. Emmy Lyra Duarte.

            Se observarmos bem, a proporção de mulheres casadas em relação a mulheres solteiras é quase igualitária, mas nesse levantamento levamos em conta apenas as mulheres casadas no civil e religioso, já que nas próprias informações das fichas, as mulheres casadas só são aquelas com a referida certidão de casamento. Se analisássemos as mulheres solteiras que moram com seus companheiros, o número de mulheres trabalhadoras rurais casadas filiadas ao STR seria quase a totalidade. Com isso, também foi importante a luta pelo amparo as mulheres que também constituem família junto aos seus companheiros, mas sem dispor da comprovação legal da relação através da certidão de casamento. Assim, muitas mulheres ficariam desamparadas após o falecimento ou no caso de doença de seu companheiro, já que a única forma legal anterior seria a legitimidade da relação através da certidão. A luta pela igualdade de direitos para as mulheres trabalhadoras rurais se fez necessário em todos os tipos de condições a que ela é submetida.
            Após o 3º CNTR, Ferreira (2006) ressalta que, o MSTTR passou a desenvolver várias mobilizações e manifestações para garantir as conquistas obtidas, mesmo após a promulgação da Constituição Federal, em 1988. Entre essas conquistas, destacaram-se:

Reconhecimento da participação da mulher no processo produtivo e não mais dependente do marido, aposentadoria por idade diferenciada para homens aos 60 anos e mulheres aos 55, aposentadoria por tempo de serviço, aposentadoria e pensões pagas com o valor do salário mínimo vigente no país, FGTS com multa de 40 % nas demissões sem justa causa, contratação individual, sindicalização da mulher trabalhadora rural, estabilidade no emprego ao delegado sindical e sua família que trabalha no mesmo local, seguro-desemprego, salário de igual valor para o mesmo trabalho, igualdade de oportunidades e de salários entre mulheres e homens, licença maternidade de 120 dias com salário integral e serviços leves para as gestantes assalariadas rurais, bloco de notas de comercialização emitido em nome da mulher e do homem, indenização do governo às viúvas e familiares das lideranças sindicais assassinadas durante a ditadura militar e o aumento no pagamento dos programas de emergência nas regiões de seca (p. 58)

            A inserção das mulheres na luta política e cada vez mais consolidada, um reflexo das propostas dos movimentos sociais rurais que representavam certa autonomia construída na organização das mulheres, que por conseqüência, simbolizavam a conquista da classe trabalhadora. Ferreira (2006) ainda ressalta que:
Foram várias as atividades que contribuíram substancialmente para qualificar e articular as ações políticas das mulheres, na perspectiva de se assumirem enquanto sujeito políticos e, consequentemente, enquanto dirigentes das organizações sociais, partidos, parlamentos, dentre outras. (p. 61)

            A conscientização política das mulheres foi o primeiro passo na compreensão da emancipação como trabalhadoras que o MMB trabalhou as mulheres na região do Brejo Paraibano. Em Alagoa Grande, o MMB organizava palestras com entidades acadêmicas e representantes políticos como a CUT, FETAG, entre outros. Havia reuniões semanais no STR Alagoa Grande, incentivando a participação das mulheres no meio sindical, tentando inserira-las no ambiente político e a retirando da alienação do ambiente familiar que as rodeava. Como lembra a ex-coordenadora do MMB:

Em um dos programas que tínhamos na rádio local, denominado Mulheres em Ação, em que debatia sobre o machismo, eu disse que o mesmo direito que a mulher tinha de lavar um prato o homem também tinha. Você tem duas mãos companheiros, Deus te deu duas mãos, assim como deu as mulheres duas mãos. Se essa mulher pega as duas mãos e usa o cabo da enxada para limpar mato e pega a foice para cortar lenha, bota o pote d´água com as duas mãos na cabeça, então ela ta fazendo serviço de homem. (Ex-coordenadora do MMB, Alagoa Grande, julho de 2009.)

            Era justamente com esse discurso que as representantes do MMB tentavam conscientizar a mulher que sua condição abaixo do homem não era algo natural, algo que significava uma lei da vida, mas sim uma condição imposta às mulheres por uma sociedade patriarcal e machista. Uns dos motivos que também dificultavam a inserção das mulheres aos sindicatos era o fato delas não saberem nem ler e nem escrever, principalmente no início do STR Alagoa Grande.
            Hoje o número de mulheres analfabetas decresceu em relação às mulheres mais idosas filiadas ao STR Alagoa Grande. A instrução facilita a filiação. Isso não quer dizer que o nível de conscientização política aumentou. No interior do sindicato, não existe um movimento pela consciência de gênero em que ajude seu papel enquanto trabalhadora rural. Constatamos que a nova geração ainda sindicalizada é alienada quanto a sua condição de classe, que as mulheres de faixa etárias mais velhas, que viveram todo esse processo e muitas são reflexos desse trabalho de conscientização e de luta pelos direitos trabalhistas. Entendemos hoje, no caso específico de Alagoa Grande, o sindicato mais como uma instituição do Estado, que uma representação da classe trabalhadora propriamente dita. Por isso que a conscientização de classe com a geração considerada mais nova, em termos de faixa etária, no processo de inserção ao sindicato é praticamente nula, como comparávamos na própria fala do atual presidente do STR Alagoa Grande:

Em termos de participação efetiva de mulheres como representantes dentro do sindicato e do movimento de mulheres nós estamos deficitários, eu confesso. O movimento de mulheres aqui está um pouco parado em nível de Brejo, não é? Os movimentos sociais assim, deram uma parada, isso é por tempo, não é? Tem um tempo em que está forte, depois dá uma amenizada. A nossa preocupação era de criar as estruturas, agora nós temos que dá uma retomada nisso, uma rediscutida, porque isso é educação e a gente tem que investir nisso. Porque é tão importante o quadro de preparação e formação, porque se as pessoas não estão preparadas... A formação desse quadro é indispensável. [...] A essência do sindicato são reuniões, assembléias com a base, fazemos reuniões de assentamentos, reuniões de aposentados, vai de acordo de cada setor, o sindicato sempre trabalha assim. Mas reuniões com toda a base acontecem apenas duas vezes ao ano, uma no início e outra no final do ano.
(Atual presidente do STR Alagoa Grande, março de 2009).

            Mas, quando questionamos a paralisação por parte do movimento de mulheres dentro do STR Alagoa Grande, a ex-coordenadora do MMB e a atual vice-diretora do MMT, ambas entrevistadas no mesmo dia, afirmam que o problema não é do movimento em si, mas da falta de incentivo econômico por parte não só do sindicato, mas de outros órgãos. Sobre isso elas falam que:

Depois da morte da companheira Penha, que foi em 1992, a gente ficou em dificuldades financeiras, os projetos não eram apoiados, a gente enviava projetos para as entidades, mas voltavam negados. E a posição do sindicato no movimento foi neutra, a gente não teve apoio do sindicato depois da companheira Penha. [...] Hoje o sindicato tem condições porque ele recebe contribuições fixas e uma quantia alta, se comparado com antes. Na época, nos botamos carros de som, nas portas dos bancos, entre outros, comunicando a falta de interesse do sindicato e o por quê desse desinteresse. Só que existem assim opiniões e opiniões, o objetivo do movimento era um e o do sindicato era outra, completamente diferentes.
(Ex-coordenadora do MMB e a atual vice-diretora do MMT, Alagoa Grande, julho de 2009).

            Essa fase de crise do movimento de mulheres dentro da própria esfera sindical tem como primeira conseqüência o fim do Movimento de Mulheres Trabalhadoras do Brejo Paraibano (MMB). Assim, o MMB uniu-se desde o ano de 1994 ao Movimento de Mulheres Trabalhadoras (MMT), ampliando seu leque de atuação para 9 municípios paraibanos. Segundo Ferreira (2006):

Elas têm exercido um trabalho voltado para a educação das mulheres na perspectiva teórica feminista, objetivando a formação de quadro de militantes, contribuindo com a pesquisa desenvolvida, entre outros meios, através da história oral. (p. 20)

            Mesmo assim, apesar do trabalho junto às mulheres, principalmente na elevação do nível de escolaridade por parte das mulheres trabalhadoras rurais mais velhas, como relata a atual vice-diretora do MMT através de projetos junto a alguns professores da Universidade Federal da Paraíba – Campus João Pessoa. Porém, tais projetos feitos pelo MMT também são alvos de muitas dificuldades justamente por conta da questão financeira.
            Tentando compreender o por quê dessa paralisação do movimento de mulheres dentro do sindicato, que consta com 10.260 filiados, sendo mais de 6.000 filiadas, organizamos a filiação por idade e ano de sindicalização no Gráfico 03.
Gráfico 03 – Mulheres sindicalizadas por idade e período de sindicalização, Alagoa Grande, 2009

     Fonte: Trabalho de Campo – STR Alagoa Grande, julho de 2009.
     Org. Emmy Lyra Duarte

Observamos que a maior porcentagem de mulheres filiadas hoje ao sindicato, são justamente as mulheres com mais de 61 anos, com 46% do total. Se formos pelo viés, que essa é justamente a faixa etária em que as mulheres vivenciaram todo o fervor dos movimentos de lutas de classes pré e pós-repressão de 1964, que vivenciaram as muitas fases dos movimentos de mulheres dentro desse contexto emancipatório, isso significa que há uma quantidade expressiva de mulheres para dar continuidade a esse movimento e por que não acontece? Claro que se somarmos as mulheres sindicalizadas entre 18 e 60 anos elas somam um percentual de 54% de filiadas, então nos questionamos: esse não seria uma grande quantidade de mulheres, que de certa forma, ficaram a parte da real luta de emancipação de classe e de gênero que tão forte foram dentro dos sindicatos e por que não continuar com o movimento de mulheres para educá-las politicamente e fazê-las compreender o que significa essa condição de classe e de gênero dentro do contexto agrário paraibano e brasileiro?
            No Gráfico 03, também podemos constatar, que independentemente da faixa etária das mulheres no momento de sua sindicalização enquanto que a maior parte se filia no período que vai de 1986 até 2009. Esse período coincide com a ampliação dos benefícios garantidos pela lei para mulheres trabalhadoras como: auxílio maternidade, aposentadoria, auxílio doença, etc.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
            Percebemos que no STR Alagoa Grande, mesmo diante de muitos empecilhos, foi possível instaurar movimentos de mulheres, como o MMB – Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Brejo Paraibano, na tentativa de conscientizar as mulheres da sua condição de trabalhadora rural e tentar inseri-la no âmbito do sindicato, para criar forças junto às lutas específicas para das mulheres, que até então eram nulas na luta junto às melhores condições de trabalho no campo. A mulher trabalhadora rural não entendia sua condição de classe, uma imposição colocada na formação histórica da sociedade, em que as mulheres eram marginalizadas diante da figura do homem, como sua subalterna e coadjuvante na esfera de produção do trabalho e na própria esfera familiar.
            Atualmente o STR Alagoa Grande, mesmo com toda essa carga histórica de conscientização e luta da classe trabalhadora rural, e na mesma lógica na conscientização e luta das mulheres para se inserir e colocar-se diante da sua condição de classe trabalhadora, uma participação indiferente. Tornou-se uma representação de classe, não mais formadora de papéis na esfera da reprodução social. É visível no próprio cotidiano do sindicato, que os sindicalizados usam esse espaço apenas como mediador burocrático com o Estado. Isso também serve para as mulheres trabalhadoras e sindicalizadas, que são em maior número de filiação, mas não entendem seu papel na luta de classes e na luta por seu espaço dentro do sindicato. A prova disso, é que quando questionadas sobre o motivo pela qual se filiaram ao sindicato, elas respondem que é a única meio de conseguir os benefícios como bolsa-maternidade, aposentadoria, etc.
            Na própria organização do sindicato, a diretoria e os principais assessores são homens, os próprios dirigentes do STR Alagoa Grande enfatizam que as trabalhadoras são em maior número de filiadas, mas em menor número de participação na esfera do sindicato. Além do próprio sindicato não incentivar essa organização das mulheres, alegando que seria falta de interesse por parte das próprias sindicalizadas. Mas o que as levaria a tamanha alienação da sua condição de classe? Podemos dizer que seria a falta de interesse dos próprios dirigentes, que são homens e ainda vê a luta das mulheres um caso específico de luta das próprias mulheres, demonstrando que essa consciência de gênero é algo secundário.

REFERÊNCIAS

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* Texto apresentado na XII Jornada do Trabalho, Curitiba-PR (2011). Publicado na Revista Pegada, Vol. 12, Nº 2 (2011). Disponível em: http://revista.fct.unesp.br/index.php/pegada/article/view/931/1062



Informações extraídas de CARVALHAL, T. B. Gênero e classe nos sindicatos. Presidente Prudente: Edições Centelha, 2004, p. 84.
[2]Constituição Brasileira de 1988.
[3]Instituto Nacional de Seguro Social.
[4] Informações retiradas de NOBRE, G. F. A trajetória do sindicalismo rural na Paraíba. Dissertação (Mestrado) Universidade Federal de Campina Grande/PB. Campina Grande, 1990, p. 186.